A maternidade em "This is Us"

"Família". Esse é o tema primordial quando o assunto é a construção de narrativa da série americana "This is Us". Uma das séries de TV mais prestigiadas na história - parte da TV aberta nos Estados Unidos -, This is Us conta a história de cinco membros de uma mesma família vivendo uma vida demasiadamente básica. Um enredo simples à primeira vista, uma ambientação nada surpreendente e uma história corriqueira. Certamente, This is Us tinha tudo para ser "só mais uma".

Não é.

A ALMA

Fazendo o público cair de amores pelo patriarca da família Pearson, Jack, ou até por seus três filhos, Kevin, Kate e Randall, This is Us guarda um "segredo" que grande parte de seu público nunca foi capaz de perceber: a alma da série é a matriarca, Rebecca Pearson. Através do desenvolvimento da personagem construído em cima da demonstração de diferentes momentos de sua vida, vemos Rebecca se estabilizar como um dos aspectos mais paupáveis da obra. Embora a personagem abra precendentes para estudarmos as narrativas de machismo estrutural, falha profissional, condição financeira, entre outros tópicos, é em um específico em que ela brilha: "qual o peso da maternidade na vida de uma mulher?".

Rebecca vem de uma família de classe média-alta e sempre sonhou em ser uma grande cantora. Seu sonho começou aos 20 e poucos anos - a versão mais jovem de Rebecca que conhecemos em seu ínterim na série. Nessa idade, porém, ela conhece Jack Pearson e a história de amor dos dois personagens, e consequentemente a trama principal da obra, começa. Os dois criam um laço muito bonito de se acompanhar, se tornando personagens queridíssimos pelo público e muito bem elogiados pela crítica. Ainda assim, é nesse relacionamento em que a porta se abre para a questão que iremos discutir: como a maternidade funcionou na vida de Rebecca?

Com o passar dos anos, a vontade de Jack de ter filhos aumentava cada vez mais, mas esse não era o sonho de Rebecca. A mulher se contentava com a vida que eles construíram a dois, e queria focar em sua carreira em ascenção.

Mas ela cedeu.

O CEDER DA MULHER

Esse é um retrato muito comum na vida da mulher na sociedade. De repente, mesmo sem nunca ter tido um sonho relacionado, Rebecca era mãe - mãe de trigêmeos. Criou-se então uma linda família, com lindas histórias - a base de This is Us.

Mas falando em base, esse se tornou o papel principal da vida de Rebecca: ser a base dos Pearson. Ela era então o alicerce, o foco e o lugar cujo os outros membros recorriam para. Pagando o preço, Rebecca abandonou sua tão desejada carreira de cantora e se dedicou completamente a cuidar de seus três filhos.

De forma alguma Rebecca viveu uma vida triste, sem seu ápice, ou presenciou Jack reproduzir posicionamentos machistas - seu marido era, de fato, uma pessoa muito consciente e um personagem admirável. Isso não significa, porém, que a matriarca Pearson não tenha representado muitas mulheres em nossa sociedade. Muitas delas têm suas vidas diminuídas em ser "mãe" e se encontram em cenários em que não há espaço - ou há muito pouco espaço - para si mesmas.

Já idosa, Rebecca enfrenta então o Alzheimer. Não irei me desdobrar nessa questão aqui, mas salientarei que só então a personagem percebe que sacrificou muito de sua vida pelas pessoas que amava. Ela é muito orgulhosa de tudo o que viveu e de tudo que construiu, mas isso significa que a maternidade a fez mudar completamente sua rota. Em um episódio tardio na obra, então, Rebecca estuda suas próprias vivências e no ápice de sua alta idade, ela decide: "agora terei todo o tempo do mundo para mim".

A sociedade colocar o "ser mãe" como o principal papel da mulher é extremamente prejudicial à vivência feminina. O ato da procriação é lindo, mas todas as pessoas deveriam ter suas histórias focadas principalmente em si mesmas. As relações que construímos são importantíssimas para a nossa evolução, mas não deveriam ter que ser colocadas acima de nossos próprios sonhos. Obviamente, o caso social da mulher e da maternidade provém do machismo, considerando que aos olhos da esmagadora maioria das pessoas, ser pai não tem o mesmo peso que ser mãe - e por muitas vezes, pais não são cobrados na mesma intensidade.